terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Epistemologia pós-moderna na ciência da sustentabilidade e precauções de uso

Nos textos de Boaventura de Sousa Santos, Mudimbe e Descola encontra-se um nó górdio habitual no pensamento crítico pós-moderno. Estes autores, mais próximos do anarquismo epistemológico de Feyerabend do que do sociologismo kuhniano, afirmam que não é possível separar o capitalismo, o colonialismo e o patriarcado da ciência. Por contra, o pensamento crítico clássico, de inspiração marxista, denunciava a exploração capitalista e colonialista, mas a expansão do pensamento científico em detrimento do saber dos sacerdotes, feiticeiros e xamãs não era objetável. A melhor maneira de combater a desigualdade, o pensamento único hegemónico e a injustiça no mundo não consistia, naquela visão crítica clássica, em aceitar qualquer conhecimento alternativo não suficientemente bem testado e que poderia incluir, por exemplo, os pareceres do oráculo, os métodos de cura do xamã ou as superstições do feng shui.

Existe também o risco de uma mitificação ecológica do indigenismo nos epistemólogos do Sul como Boaventura de Sousa Santos e os seus companheiros ideológicos. São minimizados os factos históricos de civilizações não colonizadas por europeus -como os Nazca pré-colombinos e os Rapa Nui - que desapareceram devido a uma má gestão do ambiente. Da mesma forma que nem todo o que é moderno garante um melhor desenvolvimento, nem todas as soluções tradicionais são necessariamente mais sustentáveis.

Finalmente, gostaria de assinalar o muito que de aproveitável existe no pensamente de Boaventura, Mudimbe e Descola para a epistemologia da ciência da sustentabilidade. As receitas one-size-fits-all são parte da dificuldade da ciência atual para contribuir na solução de problemas socioeconómicos e ambientais acoplados. É sempre necessário contextualizar o conhecimento: os princípios científicos podem ser universais, mas a sua aplicação prática é temporária e local. Por exemplo, a lei da gravidade e a física da resistência dos materiais é universal, mas as soluções de construção devem ser adaptadas às necessidades particulares. 

Concordo bastante nessa aproximação da epistemologia pluralista, mas acho importante para a ciência da sustentabilidade diferenciar bem entre pluralismo epistemológico e epistemologia pluralista. O pluralismo epistemológico seria um ecletismo de vários paradigmas, várias epistemes ou várias maneiras de pensar onde poderia valer quase tudo. No entanto, a epistemologia pluralista seria um pensamento da pluralidade, uma forma crítica, integradora e emancipadora de pensar e de fazer ciência por oposição ao pensamento único e às falidas receitas one-size-fits-all.

Referências bibliográficas:

Descola, P. A antropologia da natureza (entrevista) http://www.revistatopoi.org/numeros_anteriores/topoi27/TOPOI_27_ENTREVISTA.pdf Consultado em 1 de Dezembro de 2015.

Mudimbe, V.Y. (2014) Discurso do poder e conhecimento da alteridade http://www.artafrica.info/html/artigotrimestre/artigo.php?id=40 Consultado em 29 de Novembro de 2015.

Sousa Santos, B.; Arriscado Nunes, J.; G. Meneses, M.P. (2005) Para ampliar o cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. Semear outras soluções: os caminhos da biodiversidade e dos conhecimentos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. http://www.biomas.ufop.br/biomas/texto1.pdf Consultado em 29 de Novembro de 2015.

A epistemologia da ciência da sustentabilidade

No início deste século XXI, começou a se desenvolver um novo domínio científico, a ciência da sustentabilidade, com o objetivo de integrar as contribuições para a sustentabilidade das diferentes disciplinas que estão a dar uma resposta positiva ao numerosos apelos feitos para que a comunidade científica contribua a enfrentar a grave situação de emergência planetária (Kates et al., 2000). A ciência da sustentabilidade não é uma ciência ao uso, por exemplo, entendida como um conjunto de conhecimento estruturado e a ser construído de forma sistemática (Rapport, 2007, citado por Barth et al., 2012)

Não existindo uma definição unânime, a definição geralmente aceitada é simplesmente que a ciência da sustentabilidade investiga as interações complexas e dinâmicas entre a natureza e a sociedade (Kates et al., 2000; Disterheft et al. 2013). Ora bem, a ciência que é necessária para abordar estas questões da sustentabilidade é diferente em um grau considerável da ciência tal como a conhecemos em estrutura, métodos e conteúdos por três características (Kates et at., 2000; reformulado por Vilches et al., 2013):

- A nova ciência deve ser interdisciplinar, uma vez que aborda desafios complexos em que estão envolvidos problemas diferentes mas estreitamente ligados, nenhum dos quais podem ser resolvidos de forma isolada.

- A nova ciência deve ser transdisciplinar, uma vez que é necessária uma investigação e tomada de decisão cidadãos que não fazem parte da academia, mas cujos objetivos, conhecimento e capacidade de intervenção são essenciais para definir e desenvolver estratégias viáveis.

- A nova ciência deve ser "glocal" (global e local) e ter em conta tanto a urgências do curto prazo como o longo prazo para antecipar potenciais riscos.

Os requisitos da interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, abordagem glocal e perspetiva temporal ampla deveriam permear o trabalho dos cientistas de qualquer área. Não é suficiente com a aparição de uma nova disciplina, mas é preciso uma verdadeira mudança de paradigmas. Só então poderemos avançar na transição para a sustentabilidade no ritmo que a gravidade da situação exige.



A tabela de acima (tomada de Ziegler et al., 2011) resume as considerações centrais do respetivos pontos de vista da filosofia da ciência. A qualidade da ciência da sustentabilidade é uma questão a reafirmar constantemente e a reexaminar as razões para a inclusão de não-cientistas, as questões normativas em jogo e em conflito, a relação temporal e escala espacial consideradas na investigação e, finalmente, a cooperação das ciências na formulação/resolução conjunta de problemas (Ziegler et al., 2011).

Se o ponto de vista kuhniano parte de uma comunidade científica homogénea, e se o ponto de vista popperiana parte de uma sociedade de indivíduos ou grupos atomistas, a perspetiva da nova ciência da sustentabilidade tenderia para um terceiro ponto de vista com uma cultura científica heterogénea no teórico e no metodológico mas com uma maioria de valores partilhados, em permanente questionamento e em permanente diálogo com os não-cientistas.

Referências bibliográficas:

Barth M.; Michelsen G. (2012) Learning for change: an educational contribution to sustainability science. Sustain Sci (2013) 8:103–119. Springer.

Disterheft, A.; Caeiro, S.; Azeiteiro, U. M.; Leal Filho, W. (2013) Sustainability science and education for sustainable development in universities: a way for transition. In Sustainability Assessment Tools in Higher Education Institutions (pp. 3-27). Springer International Publishing.

Kates, R.; Clark, W. C.; Hall, J. M.; Jaeger, C., Lowe, I.; McCarthy, J. J.; Svedin, U. (2001) Sustainability science.

Rapport, D.J. (2007) Sustainability science: an ecohealth perspective. Sustain Sci 2(1):77–84.

Vilches, A.; Gil, D. (2014) Ciencia de la Sostenibilidad: una revolución científica a la que la Didáctica de las Ciencias Experimentales y Sociales quiere contribuir. Revista Eureka sobre Enseñanza y Divulgación de las Ciencias, 11(3), pp-436.

Ziegler R., Ott K. (2011) The quality of sustainability science: a philosophical perspective. Springer.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

O estudo do caso nas ciências da sustentabilidade

O estudo de caso é uma ferramenta de investigação ou um método, dependendo do autor, originário da investigação médica e psicológica. Os tipos de estudos de caso podem ser exploratórios, descritivos ou explanatórios (Yin, 2013).

Alguns, autores como Carrasco e Calderero (2000) consideram o estudo de caso como um método de investigação perfeitamente válido se está bem estruturado e dirigido, enquanto outros como Silva e Pinto (1986) consideram o estudo de caso só como um desenho de pesquisa qualitativa. Yin (2013) diz que o estudo de caso não tem especificidade e que pode ser utilizado em qualquer disciplina.

IDENTIFICAÇÃO DO PROBLEMA A INVESTIGAR

Para Yin (2013) as questões de investigação ou questões de estudo são o primeiro elemento do desenho de qualquer investigação. Yin (2013) propõe um desenho de investigação mais sofisticado com a aplicação de diferentes unidades de análise sobre o mesmo caso para definir bem o que é o caso a estudar. As unidades de análise definem os limites do caso para fazer a diferença do contexto e orientar a elaboração dos resultados.

COLETA DE DADOS

Yin (2013) aconselha enunciar previamente umas proposições ou hipótese de pesquisa (study's propositions para encaminhar a investigação na direção certa, amostrando o que é necessário observar e evitar a coleta maciça de informações que não agreguem qualquer valor para a investigação. Yin (2013) também assinala três métodos de coleta de dados: documentos, entrevistas e observação (direta ou participante).

ANÁLISE DE DADOS E INTERPRETAÇÃO

Finalmente, Yin (2013) propõe a definição de um quadro teórico preliminar para estudar o problema com os dados disponíveis na literatura científica ou mesmo com um estudo de caso exploratório. A estratégia consiste em especificar previamente ao desenvolvimento do caso como os dados obtidos vão ser ligados com as propostas ou hipóteses definidas ("the logic linking the data to the propositions") e quais vão ser os critérios a ser usados para interpretar os resultados ("the criteria for interpreting the findings").

O ESTUDO DE CASO MÚLTIPLO

Quando o estudo é desenhado, o investigador tem de escolher entre a conceção de um estudo de caso simples ou múltiplo. A decisão de trabalhar com vários casos reforça a possibilidade de contrastar semelhanças e diferenças em dados. Quando se inclui mais de um caso pode parecer que há mais evidências para discutir a validade externa da teoria, mas, como Yin (1994) reconhece com honestidade a intenção geralmente não é exatamente acumular vários casos para chegar a uma amostra estatisticamente representativa:

Each case must be carefully selected so that it either (a) predicts similar results (a literal replication) or (b) produces contrasting results but for predictable reasons (a theoretical replication).

Então, quando se diz estudo de caso múltiplo, o que provavelmente queremos dizer é realmente um estudo de vários casos, geralmente de sucesso, convenientemente selecionados de acordo com os nossos pressupostos teóricos. Portanto, no estudo de casos múltiplos não parece totalmente apropriado, a meu ver, falar de indução ou de generalização estatística. O estudo multicaso tem como objetivo que a teoria seja usada como um padrão com o qual interpretar sistematicamente uns resultados de vários casos e gerar ideias de proveito em diferentes cenários específicos.


Referências bibliográficas:

Carrasco, J. B., & Calderero, J. F. (2000). Aprendiendo a investigar en educación. Madrid: RIACP.

Corcoran, P. B., Walker, K. E., & Wals, A. E. (2004). Case studies, make your case studies, and case stories: a critique of case study methodology in sustainability in higher education. Environmental Education Research, 10(1), 7-21.

Silva, S.A., Pinto, J. M., Jesuíno, J. C. (1986). O método experimental nas ciências sociais. Metodologia das Ciências Sociais, Porto, Edições Afrontamento, 215-246.

Yin, R. K. (2013). Case study research: Design and methods. Sage publications.

domingo, 22 de novembro de 2015

Procurando um supervisor e um tema de tese de doutoramento















O conselho mais importante que me deram para começar é fale com tantas pessoas quanto possível.

O supervisor deve ter uma personalidade compatível com a nossa, o supervisor deve ter experiência, deve ser culto, deve estar a trabalhar no campo de interesse; o supervisor deve ter tempo; o supervisor deve ser intelectualmente generoso e, finalmente, o supervisor tem de ser uma pessoa ética.

Pergunte ao supervisor sobre potenciais tópicos de projeto. O tema deve ser algo pelo que você está apaixonado, mas também deve ser muito mais do que você, o tema deve ser sobre você mesmo no futuro permitindo-lhe múltiplas trajetórias. Tente identificar as lacunas na investigação existente ou tente encontrar novas perspetivas na investigação existente e discuta os seus interesses com o seu supervisor. E, finalmente, o meu conselho é muito pessoal, não faça o seu doutoramento sobre a área do seu mestrado: escolha algo novo, inovador e imaginativo.

Como exemplo ainda muito vago, eu tinha pensado para o meu projeto de tese de doutoramento propor uma análise de algum risco de desastre natural concreto, p.ex. as inundações, e com base na procura automática e maciça de informação (data mining) fazer uma caracterização da perceção do risco que poderia vir a ser também complementada mediante outras técnicas mais clássicas como os questionários on-line. Também acho que outra linha potencial poderia ser o descobrimento de padrões da qualidade da água (qualidade em base a indicadores e qualidade percebida pela população) em alguma área ribeirinha.

Agora é hora de dar uma volta mais e concentrar-se e tentar identificar as cinco peças-chave seguintes:

- A questão principal da investigação para orientar o estudo
- Que existam dados suficientes para analisar
- Um método de recolha de dados
- Um método de análise de dados
- E as principais áreas de revisão de literatura

Quando essas cinco áreas-chave estejam alinhadas então já terei orientador e tema de tese.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Propinas e pagamentos do Doutoramento em Sustentabilidade

Como a tabela de pagamentos para os doutorandos do Doutoramento em Sustentabilidade da Aberta em regime de tempo parcial não figura no guia deixo-a aqui:

1º Ano: 500€ (matrícula) + 328.21€ (15 ECTS 1º Semestre, 3 prestações) + 328.21€ (15 ECTS 2º Semestre, 3 prestações)

2º Ano: 656.25€ (15 ECTS 1º Semestre, 3 prestações) + 1312.33€ (15 ECTS 2º Semestre, 6 prestações)

3º Ano: 875€ de inscrição a dissertação

4º Ano: 0€

5º Ano: 0€

Alguns pagamentos poderão ser ainda divididos consoante pedido do doutorando.

Total = 500€ (matrícula) + 2625€ (2 primeiros anos da parte curricular) + 875€ (dissertação) = 4000€

segunda-feira, 13 de julho de 2015

Questionário sobre cheias em Portugal

Caros colegas,

Peço a vossa ajuda para responder um breve questionário sobre cheias em Portugal para o Doutoramento em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento lecionado na Universidade Aberta de Portugal.

O questionário é este 

http://goo.gl/forms/toUHHZsCnP

Agradeço desde já a vossa colaboração,

PS: Atualização resultados obtidos do formulário Google.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Candidaturas abertas no Doutoramento em Sustentabilidade

Doutoramento em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento - Universidade Aberta de Portugal
Candidaturas: 3 de junho a 6 de julho de 2015
O programa de Doutoramento em Sustentabilidade Social e Desenvolvimento visa qualificar profissionais em estudos avançados na área do desenvolvimento sustentável, em particular nas vertentes ambiental e social. Destacamos os profissionais ligados à área do terceiro setor, para além de todos os que já desenvolvem atividades nesta área, nomeadamente em autarquias, no ensino e formação (professores dos vários graus de ensino, educadores, formadores) e investigadores.

domingo, 24 de maio de 2015

Sustentabilidade e planejamento urbano - Entrevista a Samir Awad Núñez

Existe uma explicação sobre a crise atual do planejamento urbano e da construção no Sul da Europa? O que deveria propor qualquer autarca para melhorar a cidade? Pode aportar qualquer coisa nova a smart city? Em que medida são as cidades do futuro condicionadas pelo passado? O interesse popular pela economia do bem comum, pela participação cidadã e pela sustentabilidade pode vir a mudar o paradigma do nosso modelo urbano ou talvez a mudança virá sobre da governança e das chamadas de atenção das instituições europeias?

Estas e outras questões são tratadas em uma conversa em espanhol de meia hora entre Samir Awad Núñez – doutorando na Universidad Politécnica de Madrid – e Xosé Manuel Carreira – doutorando na Universidade Aberta de Portugal.