terça-feira, 22 de dezembro de 2015

A epistemologia da ciência da sustentabilidade

No início deste século XXI, começou a se desenvolver um novo domínio científico, a ciência da sustentabilidade, com o objetivo de integrar as contribuições para a sustentabilidade das diferentes disciplinas que estão a dar uma resposta positiva ao numerosos apelos feitos para que a comunidade científica contribua a enfrentar a grave situação de emergência planetária (Kates et al., 2000). A ciência da sustentabilidade não é uma ciência ao uso, por exemplo, entendida como um conjunto de conhecimento estruturado e a ser construído de forma sistemática (Rapport, 2007, citado por Barth et al., 2012)

Não existindo uma definição unânime, a definição geralmente aceitada é simplesmente que a ciência da sustentabilidade investiga as interações complexas e dinâmicas entre a natureza e a sociedade (Kates et al., 2000; Disterheft et al. 2013). Ora bem, a ciência que é necessária para abordar estas questões da sustentabilidade é diferente em um grau considerável da ciência tal como a conhecemos em estrutura, métodos e conteúdos por três características (Kates et at., 2000; reformulado por Vilches et al., 2013):

- A nova ciência deve ser interdisciplinar, uma vez que aborda desafios complexos em que estão envolvidos problemas diferentes mas estreitamente ligados, nenhum dos quais podem ser resolvidos de forma isolada.

- A nova ciência deve ser transdisciplinar, uma vez que é necessária uma investigação e tomada de decisão cidadãos que não fazem parte da academia, mas cujos objetivos, conhecimento e capacidade de intervenção são essenciais para definir e desenvolver estratégias viáveis.

- A nova ciência deve ser "glocal" (global e local) e ter em conta tanto a urgências do curto prazo como o longo prazo para antecipar potenciais riscos.

Os requisitos da interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, abordagem glocal e perspetiva temporal ampla deveriam permear o trabalho dos cientistas de qualquer área. Não é suficiente com a aparição de uma nova disciplina, mas é preciso uma verdadeira mudança de paradigmas. Só então poderemos avançar na transição para a sustentabilidade no ritmo que a gravidade da situação exige.



A tabela de acima (tomada de Ziegler et al., 2011) resume as considerações centrais do respetivos pontos de vista da filosofia da ciência. A qualidade da ciência da sustentabilidade é uma questão a reafirmar constantemente e a reexaminar as razões para a inclusão de não-cientistas, as questões normativas em jogo e em conflito, a relação temporal e escala espacial consideradas na investigação e, finalmente, a cooperação das ciências na formulação/resolução conjunta de problemas (Ziegler et al., 2011).

Se o ponto de vista kuhniano parte de uma comunidade científica homogénea, e se o ponto de vista popperiana parte de uma sociedade de indivíduos ou grupos atomistas, a perspetiva da nova ciência da sustentabilidade tenderia para um terceiro ponto de vista com uma cultura científica heterogénea no teórico e no metodológico mas com uma maioria de valores partilhados, em permanente questionamento e em permanente diálogo com os não-cientistas.

Referências bibliográficas:

Barth M.; Michelsen G. (2012) Learning for change: an educational contribution to sustainability science. Sustain Sci (2013) 8:103–119. Springer.

Disterheft, A.; Caeiro, S.; Azeiteiro, U. M.; Leal Filho, W. (2013) Sustainability science and education for sustainable development in universities: a way for transition. In Sustainability Assessment Tools in Higher Education Institutions (pp. 3-27). Springer International Publishing.

Kates, R.; Clark, W. C.; Hall, J. M.; Jaeger, C., Lowe, I.; McCarthy, J. J.; Svedin, U. (2001) Sustainability science.

Rapport, D.J. (2007) Sustainability science: an ecohealth perspective. Sustain Sci 2(1):77–84.

Vilches, A.; Gil, D. (2014) Ciencia de la Sostenibilidad: una revolución científica a la que la Didáctica de las Ciencias Experimentales y Sociales quiere contribuir. Revista Eureka sobre Enseñanza y Divulgación de las Ciencias, 11(3), pp-436.

Ziegler R., Ott K. (2011) The quality of sustainability science: a philosophical perspective. Springer.

Nenhum comentário:

Postar um comentário